O filme se inicia com Virgínia (Vera Holtz) ajustando um relógio antigo. Por alguns minutos, isto é tudo que acontece. Uma cena tão simples, mas que diz bastante sobre o que vem pela frente, e nos apresenta o tempo como um forte elemento da narrativa.
Virgínia é a segunda filha entre duas irmãs: Valquíria (Louise Cardoso), a mais nova, e Vanda (Arlete Salles), a mais velha. Ela é designada a cuidar de sua mãe que precisa de auxílio quase constante devido a idade avançada, isso porque, dessemelhante às outras duas, é a única que optou por não ter filhos ou casar-se. Nesse sentido, não teria que deixar uma vida para trás ao dedicar-se à matriarca, certo? Assim parece. Até que o Natal se aproxima e a família se reúne, desembrulhando presentes e também rancores.
A trama se passa em um único dia, desde a preparação para a chegada da família até o momento da ceia. A princípio, tudo que Virgínia escuta são elogios, ‘’você é sortuda!’’, ‘’você está ótima!’’, ‘’a casa está um brinco!’’. Reconhecimentos vazios que rapidamente se transformam em julgamentos. Uma série de outros conflitos são desencadeados a partir do quarto de Virgínia, o qual todos insistem que ela ceda para sua irmã mais velha. Mas após deixar tudo para trás, Virgínia não está mais disposta a ceder. Seus saltos, sempre nos pés, mesmo nos caminhos mais desafiadores, são um resquício de vaidade sobre a qual tia Virgínia ainda se escora. O saudosismo com o passado, tempo no qual aparentemente a grama era mais verde, evoca vida à casa e a tudo que nela habita. Cada móvel e cada cacareco importam.
Entre complexos conflitos familiares, espelhos, rostos filmados de perfil e em zoom in, Tia Virgínia revela influências Bergmanianas que se fundem a uma história bastante latina, exibindo uma linha tênue entre a verdade e a imaginação que nos levam à reflexão. E apesar das atuações primorosas, os silêncios trazem riqueza ao filme, expressando-se mais sonoramente do que qualquer diálogo.
No entanto, alguns personagens apresentam histórias insuficientemente desenvolvidas. O marido de Vanda (Antônio Pitanga) tem seu talento pouco aproveitado, servindo apenas de ponte para o andamento narrativo de outras personagens. O filho de Valquíria então, nem se fala, é um claro espelho dos comportamentos da própria mãe, mas de forma rasa e desleixada. Longe de mim solicitar respostas, afinal, esta é a última coisa procuro no cinema, quero mais é sair da exibição com ainda mais dúvidas do que quando entrei, mas há uma clara diferença entre mistério e uma história inacabada.
Danças, em muitas culturas, podem representar ritos de passagem, e é essa a sensação que a dança de Virgínia, mesclada com uma pitada de artes marciais, transmite em uma das cenas mais marcantes do longa. Neste momento, ela se desprende. O apego ao passado se quebra junto com a louça, que já não faz mais sentido manter intacta.
Dirigido e roteirizado por Fabio Meira, Tia Virgínia é um retrato de muitas famílias brasileiras e torna quase impossível não se identificar ou reconhecer pelo menos algum aspecto da trama ou, até mesmo, olhar com mais carinho para as tias Virgínias a sua volta.
O filme estreia nos cinemas brasileiros no dia 09 de Novembro.
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