
Em mais uma cinebiografia sobre sua vida, Um Completo Desconhecido cobre os quatro primeiros anos da carreira de Bob Dylan, de 1961 a 1965, período no qual escreveu seis álbuns. A história é baseada no livro de 2015 Dylan Goes Electric! Dylan, Seeger, Newport, and the Night that Split the Sixties, do autor Elijah Wald. A jornada de Dylan se inicia quando ele deixa o estado americano de Minnesota e se encaminha até Nova Iorque para visitar a sua maior inspiração musical, Woody Gutherie (Scoot McNairy), que encontra-se hospitalizado. E é nesse encontro que também conhece Pete Seeger (Edward Norton), músico folk que torna-se mentor de Bob e impulsiona a gênese de seu estrelato.
Para além de sua trajetória musical, também nos tornamos cientes de sua relação paralela com a artista e ativista política Sylvie Russo e com a cantora Joan Baez. A primeira, interpretada por Elle Fanning, foi seu primeiro amor em Nova Iorque e é notório o quanto ela impactou a vida de Dylan. Foi sua primeira influência política, algo que moldou sua forma de fazer música, tornando-a marcada pelo ativismo pró direitos civis e anti-guerra junto a letras altamente poéticas. Além disso, ela é capa de um dos álbuns mais icônicos da história, o famoso The Freewheelin de 1963. E mesmo anos após a morte de sua paixão da juventude, Bob optou por omitir o verdadeiro nome da ex namorada, transformando Suze Rotolo em Sylvie Russo, afim de proteger seu antigo desejo de manter-se fora dos holofotes.
A personagem da cantora e compositora Joan Baez, é vivida nas telas por Monica Barbaro, um intenso ponto de frescor do filme. Sua voz e sua atuação encantam e hipnotizam desde a primeira aparição, certamente impactante, ao cantar a canção House of the Rising Sun, música cujo autor permanece uma incógnita até os dias de hoje. Joan e Bob colaboraram durante anos e continuaram a parceria musical mesmo após o término.
O enfoque do longa é quase exclusivamente em sua carreira, não se aprofundando tanto em assuntos pessoais da vida do cantor, ou até mesmo seu passado. Não sabemos sobre suas conexões fora do showbiz ou sobre sua relação com a família, o que pode ser proposital pois em dado momento descobrimos que sequer sua namorada sabia. Ele se mantém uma grande incógnita durante todo o filme, praticamente impenetrável. Nem mesmo a partida de Sylvie ou a rejeição do público por seu novo estilo fazem com que seus nervos sejam sensibilizados, é como se nada fosse capaz de abalar seu emocional, exceto, talvez, ser contrariado. É sabido que Dylan sempre manteve sua vida pessoal de forma privada. Entretanto, é necessário ler as entrelinhas para compreender além da persona artística. Em entrevistas, seus filhos relatam que por trás de uma pessoa enigmática, existe um pai que sempre foi presente e afetuoso. Já Suze o definiu em uma entrevista para o livro no qual o filme se espelhou como:
“Bob era carismático: ele era um farol, mas ele também era um buraco negro”.

Com tantas descrições distintas e uma personalidade labiríntica, este não era um trabalho fácil para Timothée Chalamet, ator escolhido para interpretar Bob Dylan. Mas não se preocupe, o que o longa carece em narrativa, transborda na habilidade de atuação de Chalamet que, entre diálogos — vez ou outra, um tanto quanto caricatos — é capaz de driblar as carências técnicas que o roteiro apresenta. Em um processo de treinamento que durou cinco anos, aprendeu a tocar gaita, estudou os movimentos do cantor e treinou sua voz para chegar no tom anasalado de Dylan, no intuito de cantar sem playback as músicas do artista. A fala arrastada, o olhar cabisbaixo, tudo está lá. A caracterização também tem um papel importante nessa construção, que acompanha suas fases da vida, desde as roupas surradas do adolescente recém chegado na cidade grande até o artista de sucesso com um estilo bem mais polido.
Mas é só a partir da metade do filme, em uma jam session com Jesse Moffette (Big Bill Morganfield), no programa de televisão de Peete Seeger, que a historia de Bob Dylan começa a ser retratada de forma um pouco mais dinâmica, vemos um lado levemente mais humano e descontraído. Um Completo Desconhecido é um quebra-cabeça que demora um pouco para fazer com que as peças se encaixem. Mesmo retratando um curto período de tempo, o que teoricamente poderia adicionar à riqueza de detalhes, em diversos momentos é deixada uma sensação de que falta contextualização para certos acontecimentos.
E se você se perguntou se o próprio Bob Dylan interveio no desenvolvimento do longa, a resposta é: sim! O cantor esteve altamente envolvido com o projeto, estando em contato direto com o diretor James Mangold e até mesmo intervindo nos diálogos. Inclusive, segundo a revista Rolling Stone, uma das cenas sequer existiu na vida real, foi um desejo do próprio artista de adicioná-la ao filme. A cena em questão mantém-se um mistério, mas tal fato diz muito sobre a personalidade de Dylan, que foi descrita pelo ator Edward Norton de forma bem-humorada como: "prazer óbvio do cantor em obscurecer e distorcer […]. Ele é um encrenqueiro.”
Um Completo Desconhecido chega aos cinemas dia 27 de fevereiro.
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