
As décadas de 1980 e 1990 contaram com produções que tornaram-se clássicos do thriller erótico como Atração Fatal (1987), Instinto Selvagem (1992) e De Olhos Bem Fechados (1999), todos dirigidos por homens e com protagonistas masculinos. Com direção e roteiro de Halina Reijn (Bodies Bodies Bodies, 2022), o longa Babygirl chega para apresentar o ponto de vista de uma mulher e abordar a sexualidade feminina.
Nicole Kidman foi o par romântico de Tom Cruise, seu marido na época, em De Olhos Bem Fechados (1999), de Stanley Kubrick — onde entregou, de forma brilhante, o principal monólogo do filme —, e retorna ao gênero após 25 anos para interpretar a protagonista Romy, uma mulher de meia-idade, esposa, mãe e CEO de uma grande empresa de tecnologia, que envolve-se com o estagiário Samuel (Harris Dickinson). Vencedora do prêmio de Melhor Atriz no Festival de Veneza 2024, Kidman entrega um papel corajoso e visceral que explora desejos profundos.
Como podemos imaginar, o papel de ser CEO traz consigo grandes responsabilidades, senso de poder e controle. A sensação de estar no topo. E é exatamente assim que o filme começa: Romy por cima. Ela como a dominante, tanto no trabalho, como no sexo com seu marido. Contudo, rapidamente somos apresentados a um outro lado da mulher, um lugar dentro dela onde há um desejo intenso e incontrolável de ser dominada.
Quando nós conhecemos Samuel, junto da protagonista, o jovem estagiário já aparece em um lugar dominante: ele consegue controlar uma cadela raivosa na rua — alegoria um pouco frouxa, mas vale. Esses contrastes das relações de poder permeiam o filme e são fortalecidos pelo uso das cores. A mulher do mundo corporativo costuma ter um padrão de vestimenta para ser levada a sério, como o uso de roupas sociais em cores neutras. Mas Romy está sempre rodeada das cores rosa e azul bebê que, juntas aos traços infantis de sua personalidade, escancaram mais uma vez a antítese de seu lado dominador e seu lado (a ser) dominado.

Aos poucos, vemos Samuel desestabilizando a mulher com sua postura de superioridade, sarcasmo e sua atrevida indiferença. Logo após o primeiro beijo deles, o tom do filme muda drasticamente, ficando mais sombrio e intensificando o suspense através das cores e trilha sonora. Como é de costume do gênero, somos inundados pela tensão sexual e pela iminência de que algo ruim vai acontecer a qualquer instante.
Através de flashes e rápidas dicas no roteiro, entendemos que o desejo reprimido de Romy pode ser consequência de uma infância atípica e conturbada, mas nunca nos é revelado exatamente o que aconteceu. A escolha da diretora é interessante, pois ainda que nossos desejos tenham origem na construção de nosso ser, nós não precisamos justificá-los. A existência de desejos não nos torna seres terríveis, é apenas parte das inúmeras complexidades de ser humano.
Fugindo dos clássicos do gênero, Babygirl não possui um vilão ou uma vilã (era muito mais comum a mulher estar neste papel). Os personagens são humanizados, pessoas confusas e perdidas sobre si mesmas e aquilo que anseiam. Aqui, o maior perigo é a tentação irresistível que toma conta de seus corpos, sendo impossível controlar. Não se engane, também não há personagens bonzinhos. Ninguém está isento de responsabilidade sobre seus atos. Mas a diretora Halina Reijn sabe que a questão da culpa já foi muito abordada e, neste filme, optou por colocar o foco em uma mulher que permite-se embarcar na jornada de explorar sua sexualidade e ter, finalmente, vários orgasmos verdadeiros e deliciosos.
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