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Foto do escritorLuisa Melo Guerrero

O Telefone Preto (2021)

*Contém spoilers


O novo longa de Scott Derrickson (O Exorcismo de Emily Rose, A Entidade) foi baseado em um livro de contos homônimo de Joe Hill, autor que também assinou o roteiro, ao lado do diretor. O Telefone Preto foi também uma boa surpresa ao trazer uma temática que vem sendo bastante explorada no cinema, mas com elementos únicos e uma possível abertura para reflexões maiores.


Ambientado no norte da cidade de Denver, no ano de 1978, acompanhamos Finney (Mason Thames), um menino paralisado por medos que o impedem de se defender dos valentões, ou falar com a menina de quem gosta, e sua irmã Gwen (Madeleine McGraw), uma criança destemida cujos sonhos premonitórios serão essenciais para a narrativa. Ambos moram com um pai violento (Jeremy Davies) que possivelmente vive atormentado pela morte de sua esposa. A família reside em uma cidade que está sofrendo com o desaparecimento de jovens meninos, por parte de uma figura que ficou conhecida apenas como o "Sequestrador" (Ethan Hawke).


Conhecemos e vemos algumas vítimas do criminoso serem levadas, até que chega a vez de nosso protagonista. Sua irmã, por ser muito jovem e não ter controle dos sonhos, além de ter um pai que a desestimula em relação a isso, não pôde prever que o menino seria capturado. Em pouco tempo de cativeiro, o jovem começa a receber ligações das vítimas anteriores através de um telefone preto, desconectado dos fios e que não deveria funcionar.


A capacidade de Finney de se comunicar com os espíritos das crianças, assim como a habilidade de Gwen de sonhar com fatos que ainda não aconteceram, é justificada no filme com a revelação de que a mãe de ambos possuía também algum tipo de mediunidade, da qual as pessoas tiraram proveito, levando a mulher a tirar sua própria vida.

O Telefone Preto é um filme que economiza maiores esclarecimentos, mas sim opta por evidenciar os seus segredos através de detalhes. Este fator pode ser incômodo para alguns, mas um alívio para outros, que estão cansados de filmes que dão informações demais, como se o espectador não pudesse desvendar sozinho os enigmas.


A ausência de explanação óbvia do motivo do Sequestrador pode ser, à princípio, a maior indignação por parte de quem assiste. O fato é que o filme aborda uma temática que vem sendo muito explorada, como em À Espreita do Mal (2019), onde as vítimas também são jovens meninos, ou O Menino Atrás da Porta (2020), que é exatamente o mesmo caso. Dessa forma, em O Telefone Preto, o diretor opta, de forma elegante, por inserir pequenas dicas e detalhes e deixar o espectador criar suposições e interpretações.


O padrão das vítimas, a necessidade de esconder o rosto por trás de diferentes máscaras, dizer ao menino que “só queria olhar para ele”, a vontade de jogar um jogo chamado “menino levado”, a presença de um irmão ingênuo que tem grande interesse em investigação e usa drogas, além da estranheza de suas movimentações, como alguém que incorpora um personagem (apenas possível com o uso das máscaras), são informações suficientes para que possamos criar um imaginário sobre quem é este homem.

Os policiais que de nada são úteis para o caso é outro elemento que pode incomodar o público. Em filmes de mistério e investigação, existem os dois casos: aqueles em que a polícia salva a todos no final (caso de Bela Vingança, 2020) , e aqueles em que as autoridades parecem estar brincando de detetive, sem efetivamente ajudarem em alguma coisa (caso de muitos filmes de giallo, como O Pássaro das Plumas de Cristal, de Dario Argento).


No longa de Scott Derrickson, as crianças e suas habilidades, ou por vezes sua fúria, são protagonistas. Por isso, se tivesse sido a polícia a salvar o menino, de nada teria servido aquela experiência, além de deixar a marca de um trauma. O filme trata justamente sobre coragem e desperta a empatia por parte do público, que torce para assistir Finney finalmente perceber a sua força interior, e usá-la para se salvar.

Uma questão interessante é sobre os espíritos das crianças que se comunicam com menino. No filme, elas podem ser reais, o que é mais provável dentro do contexto da história, mas ali também existe a possibilidade de pensar em algo mais complexo. Por exemplo, podemos entender as crianças como a forma que o cérebro do menino encontrou como mecanismo de defesa, para despertar a coragem que ele precisava. É claro que o mais racional é concluir que as crianças eram de fato espíritos, já que elas sabiam informações específicas escondidas no ambiente, mas a importância que elas têm vai muito além de apenas ajudar. Ali havia empatia por parte delas (com exceção de uma que estava movida pela vingança).


É muito curioso como Finney não tinha medo das crianças por serem fantasmas, o que reforça uma possível interpretação de que elas eram frutos de sua mente. Ele tinha empatia por elas, assim como ele teve empatia mais cedo no filme por um jovem que foi espancado, dizendo que “ninguém merece aquilo”, mesmo que já tivesse sofrido nas mãos do mesmo jovem.


Para Finn, a vingança não é a resposta, mesmo que tenham te feito mal. E no fim das contas, o que ele faz no último ato, é por sobrevivência, não para se vingar (essa parte foi deixada para o espírito do jovem furioso que fala diretamente ao agressor). Sendo assim, o protagonista mantém-se fiel a ele mesmo e aos seus princípios, mas saindo mais forte desta experiência traumática, sabendo que, às vezes, precisamos nos impor, seja para protegermos a nós mesmos de valentões, ou para proteger uma irmã que é agredida pelo pai, ou simplesmente para ter coragem de falar com a menina que gostamos sem gaguejar. E a lição mais importante de todas foi a de que, mesmo que muitas vezes não tenhamos consciência, esta coragem está dentro de nós.

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