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Foto do escritorLuisa Melo Guerrero

All of Us Strangers (2023) | Festival do Rio


Paul Mescal e Andrew Scott em All of Us Strangers (2023)

Um dos sentimentos mais difíceis e dolorosos vivido pelos seres humanos, se não o mais, é o luto. Somos a única espécie consciente do fim e isso gera angústia, mas parece só se tornar real no momento em que nos deparamos com a partida de pessoas próximas. É como uma cruel lembrança do que está em nosso futuro. Esta fase, onde a dor é quase palpável, é muito bem transposta para a tela no sensível All of Us Strangers, escrito e dirigido por Andrew Haigh (45 anos, A Rota Selvagem).


A poesia em Hiroshima Mon Amour, a alegoria em Babadook e obsessão em Vertigo são algumas das abordagens sobre esse tema no cinema. Em seu novo filme, Haigh ilustra a solidão que remanesce, mesmo anos após a perda, através do personagem Adam, um escritor de roteiros interpretado cuidadosamente por Andrew Scott (Fleabag), alternando entre um olhar apático que revela sua tristeza profunda, e o medo e a ingenuidade da criança de 12 anos que volta a ser por alguns momentos.


Indo além da linha que separa real e onírico, o protagonista começa a visitar seus pais, já falecidos, na casa onde morou durante sua infância, em momentos que parecem estar fora do espaço-tempo. Diversas vezes, o filme deixa claro não tratar-se de algo literal, usando diversas alegorias como o prédio de muitos andares onde vivem apenas Adam e um vizinho, Harry, vivido por Paul Mescal (Aftersun), ator que vem ganhando destaque em papéis de homens melancólicos.


A solidão está presente em todo o filme em símbolos e sensações, para além do edifício, como a câmera quase sempre fechada, as ruas e meios de transportes sempre com poucas pessoas e os tons frios da cidade que fazem contraste ao aconchego das luzes quentes na casa dos pais. A fotografia o tempo todo apresenta o mundo através dos olhos de Adam. A câmera move-se lentamente, sempre atenta aos detalhes, assim como o olhar de um escritor.


O roteiro acaba pecando ao estender-se mais do que o necessário nas cenas de visita aos pais, que parecem não evoluir. Se no começo esses momentos são misteriosos e fascinantes, nos conduzindo com calma para compreender o passado de Adam, em certo ponto acabam perdendo a força devido a repetição sem nada de novo para acrescentar.


Ainda assim, All of Us Strangers é um melodrama extremamente bem dirigido que, apesar de alguns acontecimentos previsíveis, é muito bem conduzido. Vale ainda destacar Claire Foy (The Crown), que brilha no papel da mãe rigorosa, porém acolhedora, e rende momentos valiosos de afeto maternal. É também no núcleo familiar que o roteiro dá a seu protagonista a chance de abrir-se com seus pais sobre sua sexualidade. Uma forma de libertar-se daquilo que nunca foi dito, sensação muito recorrente ao perdermos alguém próximo.


Despreocupado em estabelecer vínculos com a realidade, All of Us Strangers é inegavelmente tocante e delicado, principalmente em sua fantástica cena final. Certamente, é um filme que dividirá opiniões, mas não será nada fácil tirá-lo da mente mesmo bastante tempo após os créditos.

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