Estava há um tempo sem conseguir escrever, até que pensei: por que não escrever sobre Elena? É sempre muito bom pensar a sua escrita e discutir sobre as histórias que ela cria. Mas não se enganem: não é nada fácil falar sobre o que Elena fala. Inclusive, tenho a sensação de que só ela tem coragem de falar sobre tais assuntos.
Aqui vou fazer algo similar ao que fazia por volta de meus 13 anos de idade, quando escrevi uma série de textos em uma categoria que chamei de "Livro x Filme" em meu blog, onde escrevia sobre livros - na época, young adults, fantasias e romances de Nicholas Sparks - e, inevitavelmente, passei também a escrever sobre filmes. O cinema foi me ganhando aos poucos, até que me entreguei.
Posso dizer de imediato que não pretendo fazer uma análise das diferenças da obra literária e da obra fílmica, até porque são artes e dispositivos totalmente diferentes. Hoje, aos 23, muito diferente dos 13, tenho consciência de que são obras que não devem ser comparadas. O que pretendo aqui é falar um pouco sobre a história e a forma como cada autora a trouxe ao mundo.
A Filha Perdida, por Elena Ferrante
O terceiro romance da autora, lançado em 2006, na verdade faz parte de uma compilação conhecida por "Crônicas do Mal Amor", que também conta com as obras "Um Amor Incômodo" e "Dias de Abandono". No primeiro, a autora traz a relação de maternidade pelo ponto de vista da protagonista cuja mãe acabou de falecer; no segundo, ela aborda uma mulher que foi abandonada pelo marido, deixando-a para lidar com dois filhos pequenos. Assim, chegamos em A Filha Perdida com um novo ponto de vista sobre a maternidade, dessa vez pelos olhos de uma mãe de meia-idade, com filhas já adultas.
Quando li A Filha Perdida, havia lido Um Amor Incômodo (o meu favorito de Elena até hoje) alguns meses antes, onde tive contato com a escrita ousada da autora (não sei se "ousada" seria a palavra correta, mas é a que mais se aproxima do que quero dizer). Ela não tem medo de expor pensamentos que são, provavelmente, muito comuns, mas que ninguém tem coragem de falar em voz alta. Vemos isso em todos os seus livros, principalmente quando a escritora aborda a maternidade de forma não romantizada, algo que estamos vendo cada vez mais hoje em dia.
Uma das cenas que mais ficaram conhecidas do filme é justamente uma passagem (também existente no livro) em que a protagonista conta para outra personagem que ficou anos sem ver suas filhas, e que se sentiu bem com isso. É difícil vermos falarem sobre como a maternidade, além de ser algo muito bonito, é algo que exige muita força. O maior amor do mundo vem também acompanhado de muita dor. Nas palavras de Elena, "O amor exige energia.".
Acredito que Elena Ferrante se destaca justamente por abordar essas questões que mais nos dão vergonha e medo frente à sociedade. De certa forma, nos sentimos acolhidas quando ela fala sobre aqueles pensamentos que, quando chegam à nossa mente, são acompanhados de muita culpa. Mas nada é abordado como certo ou errado, juízos de valores tornam a questão muito rasa, já que é algo muito mais no campo das emoções que não temos controle, assim como os nossos sonhos. Aqui é apenas sobre essa necessidade de compartilhar a dor, a confusão, a raiva, os desejos... e entender que está tudo bem.
"As coisas mais difíceis de falar são as que nós mesmos não conseguimos entender."¹
A Filha Perdida, por Maggie Gyllenhaal
A estreia de Maggie Gyllenhaal na direção me deixou maravilhada, como já disse repetidas vezes a quem me perguntou (e também para quem não perguntou). Sendo uma grande fã de Elena Ferrante, estava preocupada com uma adaptação que não fizesse jus à sua obra, algo que não aconteceu, já que Maggie superou expectativas.
Logo na primeira cena fui tomada por uma sensação que seguiu-se por todo o filme: era como se eu tivesse aberto um livro de Elena Ferrante. A atmosfera do longa, suas cores frias, a atemporalidade, a sutil trilha sonora, tudo remeteu e encaixou muito bem no tom dos livros. E digo livros no plural, pois mesmo abordando diferentes histórias e pontos de vista, a marca de autoria da escritora é muito forte, facilmente reconhecível.
Mesmo que adaptado da Itália para a Grécia, e com personagens estadunidenses, a diretora foi fiel ao clima e ambiente escolhidos pela autora, trazendo, além do tom atemporal, um local que parece muitos outros ao mesmo tempo. O lugar no litoral remete à Europa em boa parte de sua arquitetura e formações e não nos traz muita proximidade. Há um certo estranhamento, o que também contribui para a atemporalidade do filme: mesmo com a presença de aparelhos celulares que nos remetem aos dias atuais, tudo parece, ao mesmo tempo, muito distante de nós. É como se aquela história pudesse estar acontecendo em qualquer lugar e qualquer tempo do mundo.
Além da ambientação, as personagens parecem ter sido extraídas diretamente dos livros, a protagonista que não se expressa muito, mas sim observa tudo ao seu redor. As outras mulheres que acabam atravessando sua vida são muito enigmáticas, e a direção conseguiu retratar exatamente essa sensação de enigma.
Além disso, Maggie também respeitou todos os simbolismos idealizados por Elena, optando por inseri-los no filme, como a cigarra que entra pela janela, a gosma que sai da boneca e, particularmente a minha favorita, a casca da laranja, que representa justamente como a simplicidade de um momento marca a relação de mãe e filhas.
A diretora usa o recurso do flashback para nos mostrar a jovem protagonista que tenta conciliar as filhas pequenas e os estudos e congressos que precisava comparecer para construir sua carreira. Um dos pontos discutidos hoje sobre a maternidade é, justamente, o fato de que ela não anula a mulher. Muitas vezes, definida apenas como "mãe", se esquece que existe ali dentro daquele corpo diversas mulheres, com desejos e sonhos próprios.
¹ Citação retirada do livro "A Filha Perdida".
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