
Ingrid (Julianne Moore) e Martha (Tilda Swinton) se reencontram por um acaso do destino. Após descobrir que a amiga encontra-se hospitalizada por um câncer cervical, Ingrid decide visitá-la. Esta simples visita torna-se uma grande recordação do passado, o que faz com que as duas se reaproximem. Compadecida em estar do lado da amiga durante esse período conturbado, Ingrid aceita viajar com Martha para uma casa longe da cidade, para que ela descanse antes de iniciar um novo ciclo de tratamento.
Martha trabalhava como repórter de guerra, o que a tornou uma pessoa ausente na vida de sua filha, convertendo a conexão e o amor entre elas à inexistência. Amor e guerra se manifestam por distintos pontos de vista durante a trama. O diretor Jacques Demy desenvolveu diversas de suas narrativas constatando que ‘’a guerra destrói o amor e é importante que se saiba disso’’. Em O Quarto ao Lado, Almodóvar nos apresenta outro ângulo, visto que em certo momento, a personagem de Tilda declara que ‘’o amor é o único jeito de aguentar a guerra’’.
O pensamento estoico manifesta o comportamento racional e contido, independente da gravidade da situação. Mas como estar tão perto da morte, seja ela na guerra ou em um hospital, e tratá-la com naturalidade? O que as personagens nos mostram é que, às vezes, o ato de desistir requer tanta coragem quanto o ato de continuar lutando. Há modos diferentes de lidar com a tragédia e ao decorrer do longa somos expostos a diversos pontos de vista e nos questionamos sobre o que é moral ou não.

Assim como vem fazendo em seus últimos trabalhos — como Mães Paralelas (2021) — Almodóvar se moderniza sem perder a essência. Neste primeiro longa em língua inglesa, sua estética mantém-se facilmente identificável enquanto agarra-se um pouco mais ao mundo real, que francamente vem se tornando cada vez menos colorido e adornado. Esta circunstância, junto à construção dos diálogos, nos evidencia que Almodóvar definitivamente não está parado no tempo, mas se molda à atualidade em cada película. O melodrama, bem mais contido do que trabalhos anteriores, mescla-se lindamente com a comédia, apresentando alívios cômicos que arrancam risadas sonoras e sinceras dos espectadores.
Finalmente, as portas se fecham. O impasse agora é outro. O debate sobre moralidade se transfigura, mas não se encerra, tanto na vida de Ingrid quanto na dos espectadores, que levam para a casa os questionamentos de um filme certamente memorável.
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Publicado durante o Festival do Rio 2024.
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