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Foto do escritorLuisa Melo Guerrero

Priscilla (2023), um retrato intimista por Sofia Coppola

Publicado durante o Festival do Rio 2023.

Cailee Spaeny e Jacob Elordi em Priscilla (2023), de Sofia Coppola

Um dos temas recorrentes na obra de Sofia Coppola é o estado de confinamento, principalmente em ambientes de abundância e excessos. A sensação de estar deslocado, em um lugar de não pertencimento, aparece desde seus primeiros longas-metragens, Virgens Suicidas e Encontros e Desencontros. Sabendo disso, não surpreende que a história de Priscilla Presley tenha atraído a diretora para a sua segunda cinebiografia.


A figura de Elvis, abordada de inúmeras formas no cinema, inegavelmente criou o mito de um homem sobrenatural, uma lenda. O mais recente filme de Baz Luhrman, Elvis, contribui para este imaginário, através da hiperestilização característica do diretor que intensifica o grande fenômeno do Rei do Rock. Em Priscilla, entretanto, Coppola faz um retrato intimista de um dos casamentos mais famosos de todos os tempos, tidos como a realeza americana: os Presley.


Baseado no livro Elvis e Eu, publicado em 1985 e escrito pela própria Priscilla Presley, ao lado de Sandra Harmon, o filme traz uma abordagem humanizada de todo o relacionamento do casal, desde quando se conheceram na Alemanha, até a separação. Através de gestos controlados e olhares sutis, alinhados ao tom minimalista do filme, Cailee Spaeny cai como uma luva no papel da típica jovem americana dos anos 1960, ilustrando a insegurança e, ao mesmo tempo, determinação da adolescente. Não à toa, rendeu à atriz o prêmio Coppa Volpi no 80º Festival de Veneza.

Cailee Spaeny em Priscilla (2023), de Sofia Coppola

No papel de Elvis, Jacob Elordi está em sintonia com Spaeny, apresentando um personagem extremamente humano e buscando fugir do estigma de herói. Elordi exala o charme e magnetismo inerentes ao artista, mas se aprofunda numa versão mais introspectiva, muitas vezes usando um tom de voz mais baixo e desviando o olhar enquanto conversa, focando nas complexidades e nuances daquele ser humano.


Mergulhamos nos bastidores desse relacionamento cujos holofotes sempre priorizaram, é claro, o grande astro da música e do cinema. Um coming of age totalmente atípico é o resultado deste filme onde uma jovem mulher, justamente em sua fase de amadurecimento e formação de personalidade, vê-se confinada em uma mansão, onde passa a viver praticamente sozinha e isolada do mundo.


Experiências similares foram abordadas em outros trabalhos de Sofia Coppola: em Maria Antonieta, a futura rainha, com apenas 15 anos, perde tudo o que conhece e passa a viver enclausurada em um castelo. Impedidas pela mãe, as irmãs em Virgens Suicidas não conseguem explorar as descobertas dessa fase. A Guerra Civil leva as mulheres de O Estranho que Nós Amamos a ficarem ilhadas no internato.


A repressão da sexualidade feminina é outro ponto em comum entre todos esses filmes, e está presente novamente em Priscilla, sempre controlada por Elvis, desde as roupas que veste, a cor de seu cabelo, até a expressão de seus desejos. Sua personalidade é moldada por ele e para ele, dificultando ainda mais o desenvolvimento de gostos e estilo próprios: ela era um reflexo de seu marido.

Cailee Spaeny em Priscilla (2023), de Sofia Coppola

Coppola não tem medo de mostrar o lado sombrio do casamento onde, em acessos de raiva, Elvis chegou muito perto de ultrapassar os limites da violência física. Jamais vilaniza, mas pinta um quadro honesto deste homem extremamente controlador, fruto de sua insegurança, já que ele, por sua vez, era também controlado pela figura de Coronel, um personagem que não aparece fisicamente, mas está sempre presente nas diversas ligações telefônicas com o músico.


O intuito da diretora não é criar uma imagem martirizada e muito menos ingênua de Priscilla: vemos o quanto ela desejou e se esforçou para chegar naquele lugar e estar com seu grande amor, além dos inúmeros momentos de deleite em festas, cassinos e ambientes exclusivos. São nesses momentos, inclusive, que Coppola nos delicia com sua já conhecida estética inspirada em videoclipes, com câmera lenta, figurinos extremamente estilosos e trilhas sonoras descoladas.


Em essência, o filme quer nos apresentar a um novo ponto de vista, contrastante a esses momentos de prazer. A diretora entrega uma obra sensível e delicada que ilustra muito bem a solidão e a bolha na qual sua protagonista vive, através de cenas onde a jovem perambula sozinha pela mansão de Graceland, enquanto somos invadidos por um silêncio ensurdecedor.


Priscilla quer contar a história desta mulher que sempre foi e sempre será associada a um homem. Um período quase inacreditável e único na vida de alguém que entregou-se para viver ao lado de uma outra pessoa, e o difícil processo de desvencilhamento que acontece gradativamente. Se durante o filme a protagonista usa azul ao lado de Elvis e tons terrosos quando ele não está, na última cena seu figurino é branco, uma alusão a essa nova possibilidade de descobrir a sua própria história.

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