Essencial para a história da animação mundial, o Studio Ghibli marcou a infância de uma geração, mas não se limitando a essa faixa etária, pois seus filmes atraem e comovem pessoas de todas as idades, apresentando também narrativas mais sérias, como no melancólico O Túmulo dos Vagalumes. O filme de 1988, ambientado no final da Segunda Guerra Mundial, acompanha um jovem e sua pequena irmã, que enfrentam as horríveis consequências da guerra.
Com quase 40 anos, o Ghibli foi fundado em 1985, por Hayao Miyazaki, Isao Takahata, Toshio Suzuki e Yasuyoshi Tokuma. Miyazaki e Takahata já haviam trabalhado juntos anteriormente, como no filme Nausicaä do Vale do Vento (1984), sucesso escrito e dirigido por Miyazaki, que o levou a ter a ideia do Ghibli, que nasce no ano seguinte.
O primeiro filme do estúdio foi O Castelo no Céu, de 1986, onde dois jovens estão em busca de uma cidade flutuante que possui muitos tesouros. O filme foi um sucesso, algo fundamental para que continuassem a produzir mais animações.
Foi em 2001 que o estúdio lançou o seu maior sucesso, A Viagem de Chihiro, que é também a única animação de língua não-inglesa a ganhar o Oscar de Melhor Animação até hoje. O longa nos apresenta Chihiro, que está de mudança com seus pais, e quando seu pai resolve pegar um atalho, tudo muda. Após seus pais virarem porcos, a menina entra em um novo mundo cheio de criaturas curiosas e mistérios intrigantes. É também onde conhecemos um personagem cuja figura ficou muito famosa pelo mundo, o Sem Face (à esquerda na figura 1).
Representação do feminino
Uma das características marcantes e admiráveis dos filmes é a presença de inúmeras protagonistas femininas, desde o filme do ano anterior ao lançamento do estúdio, Nausicaä do Vale do Vento, com a princesa Nausicaä. Mas não apenas essa representatividade é algo notável, como também o fato de que são personagens reais e humanizadas, e não princesas que vivem em castelos, ou mesmo heroínas com superpoderes. De forma alguma tirando o mérito de histórias que contém essas personagens, pois também são valiosas, mas o que Miyazaki traz, e afirma em entrevista (em relação à Viagem de Chihiro), são personagens com as quais as crianças terão uma maior conexão, e a visão de que aquilo pode acontecer com elas, gerando maior identificação.
"O que me fez decidir fazer este filme foi a constatação de que não existem filmes feitos para a faixa etária de meninas de dez anos. Foi observando a filha de um amigo que percebi que não havia filmes para ela, nenhum filme que falasse diretamente com ela. Certamente, garotas como ela veem filmes que contêm personagens de sua idade, mas não conseguem se identificar com elas, pois são personagens imaginárias que não se parecem em nada com elas. Com A Viagem de Chihiro queria dizer-lhes “não se preocupem, vai dar tudo certo no final, vai ter algo para vocês”, não só no cinema, mas também na vida quotidiana. Para isso era necessário ter uma heroína que fosse uma garota comum, não alguém que pudesse voar ou fazer algo impossível. Apenas uma garota que você pode encontrar em qualquer lugar do Japão."¹
É ainda mais interessante perceber as relações de personagens femininas e masculinas nos filmes, em que não necessariamente estão ali para que aconteça um romance. As personagens femininas não dependem das masculinas. Em 2013, Miyazaki fala sobre isso, e afirma que "Elas precisarão de um amigo, ou um apoiador, mas nunca de um salvador. Qualquer mulher é tão capaz de ser uma heroína quanto qualquer homem."²
Os filmes, que inclusive passam no Teste de Bechdel, representam jovens mulheres fortes e independentes, e isso sem dúvida deve ser levado em consideração, principalmente por servir de modelo para jovens meninas que pouco veem esse tipo de narrativa nas animações ocidentais (algo que vem mudando vagarosamente, como com os recentes Frozen e Moana).
Entretanto, apesar disso tudo, é importante termos em mente que não há mulheres no Studio Ghibli, assim como nunca houve uma animação dirigida por uma mulher em sua história de quase 40 anos, o que é muito desanimador. Sem dúvida, a representatividade dos filmes são destaque em um país considerado tão machista, algo aprofundado por Juliana Platero em sua matéria "Como é ser mulher no Japão", que você pode conferir clicando aqui. Ainda assim, não podemos deixar de lado a falta de representatividade feminina do estúdio em si.
Cultura oriental, humanização e sensibilidade
É inegável a importância e influência do estúdio para o cinema mundial. As histórias trazem aspectos cotidianos da cultura oriental, como seus hábitos, geografia e língua, fazendo com que elas sejam difundidas ao público do Ocidente, que está acostumado com o cinema estadunidense e a narrativa clássica de Hollywood.
Como ressaltado anteriormente, os filmes conta com personagens que são pessoas reais, o que traz a humanização a cada um deles, da mesma forma que tratam de assuntos do cotidiano, que tanto ilustram a sensação de nostalgia, uma característica marcante. Miyazaki reflete sobre este ponto quando diz que "[...] Quando você vive, você perde coisas. É um fato da vida. Então, é natural para todos sentirem nostalgia."¹
A temática da infância, as ambientações e fantasias contribuem para essa sensação. As animações trazem reflexões que são recorrentes ao ser humano, como o desenvolvimento pessoal, a família, o amor e o meio-ambiente, questões valiosas e inerentes à vida. Por tudo isso, e por sua contribuição à indústria, Miyazaki recebeu o Oscar Honorário em 2014. Foi a primeira vez (e até hoje, única) que o realizador esteve na cerimônia anual da Academia.
*Recentemente, a Netflix adicionou ao seu catálogo todos os filmes do estúdio Ghibli, com exceção de O Túmulo dos Vagalumes.
Fontes que valem conferir:
¹ MES, Tom. Entrevista com Hayao Miyazaki. Midnight Eye. Disponível <http://www.midnighteye.com/interviews/hayao-miyazaki/ >. Acesso em 08/07/2021.
² DENHAM, Jess. Studio Ghibli hires male directors because they have a 'more idealistic' approach to fantasy than women. The Independent. Disponível em <https://www.independent.co.uk/arts-entertainment/films/news/studio-ghibli-producer-attempts-explain-its-lack-female-directors-women-tend-be-more-realistic-a7068636.html>. Acesso em 08/07/2021.
³
MARQUES, Amanda. Além de A Viagem de Chihiro: 6 filmes imperdíveis de Hayao Miyazaki. Rolling Stone. Disponível em <https://rollingstone.uol.com.br/noticia/alem-de-viagem-de-chihiro-6-filmes-imperdiveis-de-hayao-miyazaki/> Acesso em 08/07/2021.
MAGENTA, Matheus. Studio Ghibli: um guia para mergulhar no universo fantástico dos 21 filmes que chegam à Netflix, do pior ao melhor. BBC News Brasil. Disponível em <https://www.bbc.com/portuguese/geral-51318900>. Acesso em 08/07/2021.
PENNA, Juliana. As personagens femininas de Hayao Miyazaki nas animações da Ghibli. Delirium Nerd. Disponível em <https://deliriumnerd.com/2019/02/27/as-personagens-femininas-de-hayao-miyazaki-ghibli/>. Acesso em 08/07/2021.
VASCONCELOS, Carol. Mulheres no Studio Ghibli. Geek & Feminist. Disponível em <https://geeknfeminist.com.br/mulheres-no-studio-ghibli/>. Acesso em 08/07/2021.
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