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Foto do escritorLuisa Melo Guerrero

Bonnie, Clyde e a inevitabilidade da tragédia


Bonnie & Clyde (1967)

Após décadas de finais felizes, musicais e histórias otimistas, os anos 1960 trouxeram para Hollywood uma forte crise, não apenas econômica, devido a popularização da televisão, mas existencial. Em um mundo assombrado por guerras e horrores, já não era mais palatável ir ao cinema assistir a mais um romance enfeitado por personagens e lugares que não refletiam a realidade.


Se o desejo era representar nas telas o que acontecia de fato, nada mais justo do que a escolha do diretor Arthur Penn por retratar uma história real: a de Bonnie Parker e Clyde Barrow, um casal fora da lei. Apesar da história dos dois ter acontecido no período da Grande Depressão, o sentimento de revolta com o mundo e com o sistema, o desejo de liberdade e a crise econômica e social eram semelhantes ao momento vivido nos Estados Unidos de 30 anos depois.


No longa de 1967, após uma série de fotografias intercaladas com os créditos iniciais, que já nos informa sobre a veracidade da história, a personagem de Bonnie (Faye Dunaway) abre o filme de forma disruptiva. A primeira coisa que vemos são seus lábios, em seguida seu reflexo no espelho, para depois enfim vermos a mulher nua que está entediada em seu quarto. Em um gesto simbólico, ela tenta arrancar as barras da cama com raiva, sem sucesso. Aqui já vemos as influências das novas ondas no cinema europeu, principalmente da Nouvelle Vague francesa, caracterizada por erotismo e destaque de figuras femininas, assim como a liberdade de seus corpos.

Faye Dunaway como Bonnie Parker

Outros elementos importados são visíveis neste clássico de Penn, como o ritmo lento, ausência de trilha sonora e a temática de crime. É fácil lembrar-se do clássico Acossado, de Godard, por exemplo. Bonnie & Clyde é um dos filmes que inaugura a Nova Hollywood, onde o foco passa a ser em personagens subversivos que buscam vingança por um sistema falho, evidenciado por uma realidade social onde pessoas têm seus lares retirados pelo banco, e o próprio banco local não tem mais nenhum centavo. A risada de Bonnie ao saber deste fato é a única resposta a tanta ironia.


A jovem Bonnie vê em Clyde (Warren Beatty) a possibilidade de uma vida com grandes emoções, longe da rotina maçante que leva como garçonete. Mas não só. Os dois se conectam pois compartilham um inconformismo e uma vontade de fugir de seu destino. Clyde é um homem complexo, que muitas vezes mostra ser gentil e amoroso, mas tem seu lado agressivo e sede de vingança dos bancos, da polícia e qualquer autoridade que passar por seu caminho. O traço de sua impotência sexual é marcante e evidencia o psicológico abalado de um homem que, mesmo sendo implacável por fora, é consumido internamente pelas condições impostas sobre ele.

Warren Beatty como Clyde Barrow

Um detalhe sutil, mas pontual, é o vestido na cor rosa que Bonnie usa chegando nos últimos 20 minutos do filme. A mesma cor de seu uniforme como garçonete, evidenciando o fato de que a personagem chegou, mais uma vez, a um destino indesejado. Essa inevitabilidade da tragédia, de uma vida que não se quer, percorre todo o filme. Não há como fugir para sempre, algo que vemos também no contemporâneo Thelma & Louise (1991). Como previsto por Dostoiévski, o castigo sempre procederá o crime, algo que a própria Bonnie já estava ciente, pois afirma em seu poema que "a lei sempre vence". Aqui ela faz também mais uma crítica ao sistema e às autoridades, justamente aqueles que serão responsáveis pelo cruel e covarde fim de suas vidas.


Sendo assim, fica claro que o protagonista não é Clyde, Bonnie, e muito menos a gangue Barrow, mas sim esse desejo libertário que permeia seus personagens. Ao mesmo tempo, o filme sempre nos deixa claro a impossibilidade de qualquer tipo de liberdade duradoura, e muito menos um final feliz. Bonnie & Clyde é uma história trágica e um reflexo de seu tempo, além de precursor de uma década repleta de filmes que certamente foram inspirados e encorajados por ele.

1 comentário

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grafreireoliveira
05 jul 2023

vivi os anos 60 e 70 com muitas idas ao cinema e ao teatro. O legado dessas gerações é indelével, sob todos os aspectos. A liberdade- ou as muitas lutas por ela- está viva até hoje e, espero, jamais desapareça dos corações e mentes, das antigas e novas gerações. Por isso lutamos.

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